Blog POLÍTICAS
PÚBLICAS BRASILEIRAS, de autoria de Álaze Gabriel.
Disponível em http://politicas-publicas-brasileiras.blogspot.com.br/
Autoria:
Carlos
Henrique Assunção Paiva1
RESUMO
Este artigo discute alguns significados atribuídos
à solidariedade, privilegiando-se aqueles, nos quais mais fortemente se
verifica a preocupação com o tema do amparo e da justiça social. Por esse
motivo, atentou-se aos intelectuais que podem ser situados, desse ponto de
vista, em uma corrente de pensamento voltada para o tema da democracia,
incorporação e coesão social. Propõe-se que o problema da falta de coesão
social esteja relacionado com o declínio dos sistemas e instituições de amparo
e assistência social nas sociedades ocidentais modernas. O autor mostra que é
da idéia de solidariedade no espaço e no tempo que parece surgir a
possibilidade de uma forte coesão na vida em sociedade.
Palavras-chave: Solidariedade social; políticas públicas;
assistência social.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, discuto a relação entre o
esfacelamento dos laços sociais ou comunitários e as políticas públicas,
sociais e assistenciais implementadas pelos governos ocidentais, comunidades e
grupos sociais, na crise do keynesianismo. Trata-se de uma crítica ao modelo
imposto e sustentado pela ideologia do liberalismo, sem no entanto entrar no
campo de batalha dos economistas. Meu terreno é o da sociologia, da história e
da psicologia social. Minha hipótese é que na esfera do discurso econômico
neoliberal vigente, o qual sustenta que o indivíduo dispõe de liberdade
individual e autonomia, forja-se a responsabilidade de cada um perante sua
própria vida, ao mesmo tempo em que se promove a redução do papel e
responsabilidade do Estado na construção de uma sociedade mais justa e
solidária.
Nesse contexto, surge como tendência uma forte
redução ou enfraquecimento na intervenção das políticas sociais ou
assistenciais, além de ocorrer um significativo esvaziamento da esfera
política. Cabe somente ao indivíduo sua manutenção e superação: é o "cada
um por si" de nosso tempo.
Para isso, abordarei (1) a obra L'esprit du don,
de Jacques Godbout, cujo argumento central sustenta que tanto o mercado como o
Estado seriam os principais responsáveis pela diluição dos papéis sociais, da
sociabilidade e da solidariedade social; (2) as teses de Eric Hobsbawm sobre a
ação do Estado na gerência das sociedades e sua repercussão sobre os vínculos
sociais; e, por último, (3) o trabalho de Gösta Esping-Andersen, em Politics
against markets, cuja tese sustenta que os partidos políticos têm um
papel-chave na constituição das políticas sociais, dos vínculos sociais, do
universalismo e da solidariedade em todo o mundo ocidental.
A SOCIEDADE
O ponto de vista de Jacques Godbout acerca da
sociedade guarda semelhanças com o que Norbert Elias concebeu em A sociedade
dos indivíduos alguns anos antes. Para ambos, o termo "sociedade"
é, na vida moderna, utilizado como se referindo a uma pessoa ou a uma força
hostil, restritiva e opressora, que negaria a satisfação do indivíduo e o
obrigaria a refrear dentro de si tudo aquilo que gostaria de fazer ou
expressar. Nesse contexto, segundo o autor de L'esprit du don, a relação
social só poderia significar um fardo na vida dos indivíduos, pois a idéia de
"obrigação social" estaria a todo momento contaminada por uma
concepção de "liberdade" ligada às noções de controle e opressão
sociais. Em sua perspectiva, essa concepção equivocada colocaria em xeque a
sociabilidade e a trama das relações sociais, em nome da capacidade ilimitada
de autodeterminação dos indivíduos.
Não resta dúvida de que o autor toca numa ferida
cuja infecção e cicatrização atormentam intensamente as sociedades democráticas
modernas. Nelas, a questão da liberdade individual é princípio, com toda
justiça esse não é o ponto inabalável. Os olhos de Godbout se viram não
exatamente para as implicações políticas da idéia de liberdade e, embora não as
desconsidere, ele estende para além. O autor aborda o mundo das práticas
silenciosas e cotidianas da cultura. Por exemplo, na oração "os amigos são
melhores que a família, pois se pode escolhê-los", leia-se também, do
ponto de vista do autor, "os amigos são melhores porque mais facilmente se
pode abandoná-los".
A questão é, para o autor, que as relações
familiares, como todas as relações sociais, têm como pano de fundo certos
papéis e práticas sociais tradicionais que, segundo ele, parecem insuportáveis
para determinados indivíduos modernos, especialmente se comparada à fluidez das
relações sociais entre "amigos". O "ficar", prática social
corriqueira das juventudes metropolitanas ocidentais, pode ser interpretado,
nesse caso, como uma relação social mesmo quando sexual em que os indivíduos se
destituem de "obrigações" para com o outro. São relações meramente
voláteis. O que chama a atenção para Godbout é que o problema moderno da coesão
social e da liberdade implicam a todo momento risco de abandono.
Não se trata do choque de um simples
"voluntarismo" pessoal de cada indivíduo para com uma realidade
social externa. É o indivíduo que foi educado ou formado para validar suas
iniciativas perante uma realidade íntima, em oposição a um mundo social
opressor e fugaz. Crer nos papéis sociais é crer nas obrigações, mas não como
"obrigação", e sim como ato voluntário. Para o autor, a
"obrigação" não é uma simples tarefa imposta pelas normas e condutas
sociais. A obrigação é, para ele, a liberdade de estabelecer relações de dar,
receber e retribuir. Foge ao sentido fixado pelo utilitarismo
moderno. A questão que o autor propõe é: por que afinal se faz tanto esforço
para se abandonar esta última conotação?
A tese de Godbout sugere que a constituição do
mercado conduziu uma tendência crescente para liberar os membros das sociedades
de toda obrigação ligada às relações sociais, a partir do paradigma de que todo
lugar obrigatório poderia ser substituído por um bem ou serviço. Nesse caso,
por exemplo, o papel de um filho que proveria e prestaria assistência social
aos pais, seria substituído por um leque de profissionais pagos pelo Estado ou
pela iniciativa privada. Isto ocorre porque o mercado busca sobretudo assegurar
a circulação das coisas, mais especificamente a passagem do produtor para o
consumidor, estabelecendo relações despersonalizadas entre indivíduos. Pretende,
nesse caso, levar a cabo a utopia de destituir os papéis sociais em favor de
"profissionais", que agiriam via mecanismos de "preços"
estabelecidos, não pelos agentes, mas pelas próprias leis de mercado.
É uma realidade inteiramente nova, se comparada às
chamadas sociedades primitivas. Com a chegada do mercado, as coisas não são
mais fabricadas para alguém que necessariamente precisa, mas sim fabricadas por
serem indiretamente úteis ao fabricante. Necessidades são criadas a milhares de
desconhecidos, e o mercado é liberado de toda subordinação pessoal
("amigos, amigos, negócios à parte").
Nesse triunfo do indivíduo sobre a sociedade2, os seres humanos se
transformaram em números e índices estatísticos. É uma revolução social não só
porque as texturas sociais começaram a ser abaladas, mas também porque, ao
serem, os padrões de comportamento das pessoas umas com as outras (seus papéis)
se tornaram imprevisíveis. A insegurança surgia muitas vezes pela falta de
convenções sociais, pela perda da expectativa ou previsibilidade do
comportamento do "outro". Na perspectiva de Richard Sennett (1995), o
"estrangeiro" transformou-se em "estranho".
Embora não completamente solapadas, as antigas
convenções sociais e tradições culturais sofreram certo abalo em suas
estruturas (Hobsbawm, 1995). Para um mundo onde boa parte da humanidade
beneficiava-se da rede de parentesco, amizade e vizinhança para sobreviver
economicamente, e mesmo fisicamente, o fato trouxe preocupações justificadas.
Na leitura de Godbout, os que usufruíam de
aposentadorias, sistemas previdenciários ou de cuidados em lares geriátricos
pareciam liberar os filhos e familiares da "obrigação" de cuidar
deles. Isso porque, segundo o autor, o discurso político moderno está de acordo
com a idéia de liberação do indivíduo para o ato voluntário, para que execute o
"verdadeiro papel" escondido, mas predestinado pelo seu próprio self.
O indivíduo se "encontraria" ao se destituir de toda carga social
(regras, normas e condutas previstas socialmente).
Vale observar que o fenômeno não se realiza
homogeneamente. Há circunstâncias históricas e sociais particulares e regionais
que determinam um maior ou menor grau de "modernidade" e coesão
social. Há movimentos, práticas sociais e culturais diferenciadas que não estão
em sintonia com o utilitarismo, sobretudo na América Latina, onde o mercado,
felizmente, não permite aos indivíduos se liberarem de tudo (Godbout, 1992).
As resistências podem efetuar-se em diferentes
planos. As que chamam mais a atenção, naturalmente, são aquelas que têm
repercussões políticas mais sérias, pois são a encarnação, muitas vezes, de
movimentos sociais organizados contra a "modernidade" ou o Ocidente.
Segundo Edward Said (1985), a maior expressão ou o marco mais radical do
nacionalismo foi alcançado com a oposição de Gandhi ao modelo de civilização
apresentado pelas sociedades ocidentais. Influenciado por pensadores
antimodernos, como Tolstói, Gandhi buscou colocar-se epistemicamente fora do
pensamento iluminista ocidental.
O fato é que o indivíduo que nasce em determinado
grupo, como propõe Émile Durkheim, em Da divisão do trabalho social,
seja uma família, uma cidade ou mesmo um país, tenderá a raciocinar, sentir ou
desejar como seus pares. A visão de mundo de sua comunidade será, pelo menos em
parte, sua natureza mais íntima. Se há, nesse caso, uma cultura política e
moralmente organizada a favor de relações humanas não instrumentalizadas, seus
representantes, enquanto a cultura for hegemônica, tenderão a se portar de
maneira altruísta. É o que se realiza freqüentemente em determinadas culturas
ou segmentos sociais e em outros não. Uns nascem geneticamente mais altruístas
que os outros? Certamente não3. Nas palavras de Cornelius
Castoriadis (1982, p. 180), "imagem do mundo e imagem de si mesmo estão
evidentemente sempre ligadas".
A fé do autor está, nesse caso, semelhante a Émile
Durkheim, na capacidade de uma certa autogerência da vida social. Para ele, a
estrutura ou o sistema da dádiva seria capaz de garantir a coesão e
solidariedade sociais, mesmo num período em que a presença e a intervenção do
Estado tenham-se tornado um elemento essencial para manutenção das garantias e
ordens sociais. A questão inevitável que surge é: no momento em que o
Estado-providência vem sendo questionado, via, naturalmente, argumentos
econômicos e utilitaristas, que sistemas poderão dar garantias sociais às
pessoas? Estarão elas condenadas ao desamparo? O sistema da dádiva em seu
estado atual supriria, como propõe Godbout, a intervenção do Estado e
garantiria a coesão social e a implementação de políticas públicas efetivas no
campo da assistência social e da saúde?
O ESTADO
Eric Hobsbawm fez ver em Era dos extremos
que, exatamente após a Grande Depressão de 1929, e principalmente após a
Segunda Grande Guerra, houve uma explosão de Welfare States em escala
mundial é claro que, nesse contexto, uns deram mais ênfase ao State do
que propriamente ao Welfare. Mas, o fato é que, de maneira geral,
sobretudo nos países industrializados, surgiram amplos Estados previdenciários
que tinham, num só tempo, um argumento econômico e um político a favor de suas
práticas políticas. Segundo Maynard Keynes (1883-1946), a melhoria nas
condições de vida dos trabalhadores beneficiados com o pleno emprego se
repercutiria positivamente nas economias em recessão (ver Hobsbawm, 1995). Além
disso, o desemprego era visto como um elemento explosivo de revoltas e agitações
sociais. Num só lance, segundo os argumentos keynesianos, os governos dos
Estados nacionais atenderiam as expectativas econômicas e políticas: mercado e
controle social.
Do ponto de vista político-econômico, ocorreram
grandes disparidades nesse modelo entre diversas regiões do globo. A Comunidade
Européia, por exemplo, aceitou a responsabilidade pela manutenção e
desenvolvimento de parte de seu território. As regiões mais atrasadas, como
Portugal, foram subsidiadas pelas regiões mais ricas e com mais recursos
econômicos e financeiros. O ingresso na comunidade, naturalmente, obedeceu mais
a critérios político-econômicos que eminentemente geográficos, pois só foram
admitidos, como membros, Estados cujo atraso não significasse um fardo
demasiadamente insustentável a toda comunidade ou ao poder central. Ocorreu o
que Hobsbawm (1995, p. 416) chamou de "egoísmo coletivo", pois a
"verdadeira questão era o desejo da região rica de manter seus recursos
para si mesma".
Para Hobsbawm, o Estado de Bem-estar foi visto como
um mecanismo político capaz de realizar o altruísmo que na esfera social das
relações humanas parecia irrealizável. Ele distribuiria, organizaria,
repartiria bens e serviços entre os membros da sociedade. Ele progressivamente
substituiria todas as formas tradicionais de relações humanas, pois surgira
como a encarnação real da esfera pública (que permanecia diluída e enfraquecida
nas relações sociais cotidianas). O Estado era a própria Sociedade.
A partir, principalmente, da década de 70, no entanto,
os keynesianos começaram a sofrer forte oposição dos economistas neoliberais.
Estes acreditavam que a melhor maneira de enfrentar as crises econômicas,
especificamente o surto inflacionário, não era via altos salários, pleno
emprego ou garantias sociais fixadas pelo Estado (como acreditavam os
keynesianos), mas que esses "investimentos sociais" diminuíam as
fatias de lucros e receitas, tanto do governo quanto das empresas privadas.
Partiram do princípio que o mais importante para o desenvolvimento econômico de
um país não era exatamente a melhoria das condições financeiras e econômicas de
seus cidadãos, mas o lucro das empresas, como a locomotiva do progresso social.
O historiador Eric Hobsbawm não escondeu em sua
obra o seu saudosismo em relação ao modelo de Estado e governo implementado
pelos keynesianos. Para ele, aquele modelo caracterizou toda uma era de ouro e
prosperidade nas sociedades industrializadas do Ocidente. Do seu ponto de
vista, as políticas do Estado de Bem-estar poderão deixar saudades no sombrio e
descontrolado modelo político-econômico que se estabelece no final do século
XX.
Além do mais, como lembra Hobsbawm, a médio prazo
isso colocaria o seguinte problema político: quem seriam as autoridades
responsáveis pelas decisões? Seriam nacionais, comunidades étnicas, religiosas,
supranacionais, globais? Difícil de responder.
O fato é que as políticas econômicas neoliberais
foram historicamente construídas diante de uma certa concepção reducionista de
sociedade. Para os neoliberais, a sociedade nada mais seria que a soma
quantitativa de seus integrantes. Nesse caso, os números pareciam revelar com
fidelidade todas as sutilezas das dinâmicas sociais, pois todos os indivíduos
seriam partículas em competição a defender seus próprios interesses em um
grande mercado livre de qualquer controle alheio a sua própria natureza ou
dinâmica.
Nesse contexto, é lógico que a questão fundamental
não é se o Estado possui ou não empresas produtivas, ou se mesmo possui
empresas. O ponto central reside exatamente no papel que deveria cumprir no
mundo público. O mercado, nos moldes modernos, se auto-regularia e a "mão
invisível" desempenharia o papel de distribuidor de riquezas e justiça
social? Ou ainda, compete ao Poder Público esse papel central na administração
das incertezas e interesses coletivos?
O ponto é que a questão política da gerência e
administração das sociedades continua na pauta de discussões dos intelectuais
do final do século XX. Tanto as perspectivas estruturalista, funcionalista,
como comunitarista, parecem não ter fornecido respostas inteiramente adequadas
para as surpreendentes realidades sociais do final desse século. Naturalmente,
certas questões continuam pendentes, mas a riqueza das abordagens não deve ser
desprezada. Daniel Bell, em The coming of post-industrial society,
sobretudo, desloca a tônica do modo de produção, como fator desencadeador de
problemas e transformações sociais para as mudanças provenientes do
desenvolvimento técnico e tecnológico. Mais atento à complexidade da vida
social do final do século, Bell organiza conceitos que levam em consideração e
privilegiam tanto as transformações no mundo do trabalho como o advento de
novos segmentos sociais. Em certo sentido, Bell atualiza a utopia.
A questão ainda mal resolvida é se o Estado pode
realmente ser considerado um elemento alternativo e dispensável nas diferentes
realidades sociais do final do século XX. O declínio da organização estatal
significará, como argumenta Daniel Bell, uma expansão das fronteiras de
realização do Poder? Eric Hobsbawm diria: democracia com exclusão social? Que
instituições se responsabilizariam pela execução das políticas públicas?
Parece evidente que a coletivização da atenção ou
do tratamento coletivo dos problemas da vida em sociedade não precisem
necessária e inevitavelmente tomar a forma de instituições estatizadas. Embora
historicamente se reconheça que, em determinados contextos, essa forma se tenha
revelado nos últimos tempos a mais viável e de certa eficácia perante os
problemas de distribuição de riqueza e assistência social em diversas regiões
do planeta.
É provável que, na aurora do processo de
constituição dos Estados e do mundo moderno, os indivíduos tenham rejeitado a
possibilidade de vislumbrar uma autonomia absoluta diante das práticas sociais,
econômicas, políticas e culturais de seu tempo e mesmo de eventos passados.
Essa percepção reclamou, inevitavelmente, uma ação coletiva. O altruísmo, nesse
caso, não descartaria e não seria a negação de problemas pessoais ou
existenciais, mas, de fato, os transformaria em públicos: o problema de cada um
individualmente teve, ou poderia ter, relação com a realidade dos
"outros". Esse ponto de vista é uma certa consciência pública da
interatividade social que inaugura o aparelho burocrático estatal4.
Olhando na mesma perspectiva, pior que a destruição
de instituições públicas de intervenção no espaço público, preconizada pelos
políticos e ideólogos do liberalismo atual, é o declínio da consciência que lhe
deu vida e vitalidade, pois sem ela não há possibilidade de instauração do
público e do coletivo. Sem interação, segundo Bell, não há vida.
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E SOLIDARIEDADE SOCIAL
O advento da sociedade de massas alterou não apenas
os comportamentos, hábitos e tradições sociais, mas também transformou a
natureza dos sistemas políticos em que as sociedades estavam organizadas. Nesse
contexto, o advento do sufrágio universal, por exemplo, alterou radicalmente o
controle do poder político. A partir de 1871, vale lembrar, houve uma
significativa expansão do direito de voto masculino nas sociedades européias, a
começar pela sociedade francesa e pelo Império Alemão, seguindo-se pela Suíça,
em 1874; Espanha, em 1890; Bélgica, em 1893; Holanda, em 1896; e pela Noruega,
em 1898 (Barraclough, 1973, p. 123).
Essas mudanças sinalizaram o advento de inovações
estruturais importantes que resultaram na forma democrática contemporânea de
representação política: os partidos políticos. O elemento básico e
indispensável nesse sistema estava ligado à idéia de que os eleitores não
escolheriam o candidato exatamente por sua personalidade ou por suas
características pessoais, mas pelas idéias e teorias que o político
representaria no universo político-ideológico de determinada sociedade. Nesse
caso, um candidato não só representaria uma idéia ou uma doutrina, mas também
uma coletividade.
Segundo Adam Przeworski (1987), o envolvimento do
movimento socialista com instituições burguesas, como o voto, não era
desprovido de tensão e debates. No entendimento de muitos militantes, a partir
do final do século passado, tal envolvimento ameaçaria objetivos políticos e
sociais fundamentais ao próprio socialismo. Em primeiro lugar, muitos
compreendiam que o partido não conseguiria governar sozinho, apesar de um
provável, amplo e gradual apoio das massas trabalhadoras, o que o obrigaria a
realizar alianças que "contaminariam" o caráter revolucionário das
transformações sociais desejadas. Em segundo lugar, a idéia de massas
representadas por líderes políticos desmobilizaria, na visão de alguns, a ação
e os próprios interesses e anseios das massas. Há, nessa percepção da realidade
social e política, um impasse jamais resolvido.
O argumento central de Gösta Esping-Andersen, em Politics
against markets, é que enquanto os partidos socialistas forem concebidos
estritamente como movimentos de classe no caso dos socialistas como movimento
trabalhador , estarão sempre condenados à ruína. Segundo o autor, o impasse proposto
pelos marxistas ortodoxos na idéia de guetto party estaria
inevitavelmente em pauta: mesmo quando inteiramente mobilizados, os partidos
socialistas não obteriam maioria suficiente para o andamento dos projetos no
governo. A situação seria ora de não-governabilidade, ora de
"traição" ao partido ou aos ideais revolucionários. Na perspectiva do
autor, esse dilema deveria ser equacionado por um forte sistema de alianças. Ao
contrário de Przeworski, Esping-Andersen não acredita que uma aliança
estratégica condenaria e levaria à derrota um esforço social-democrata para o
poder. Sua proposta passa pela construção da unidade e do consenso. A
possibilidade de políticas sociais efetivas estaria eminentemente ligada ao
grau de consenso político e coesão social da sociedade.
A idéia de estrutura de classes junto à formação de
classes está, segundo o autor, estritamente relacionada à implementação de um
projeto socialista democrático. A primeira, resultado de transformações
históricas concretas, fruto do processo de divisão do trabalho moderno. A
segunda, a formação de classes, consistiria em dar uma identidade coletiva para
um agregado heterogêneo que, quando não organizado em classe, tenderia a votar
com base em outras fontes de identificação coletiva como católicos,
protestantes, mulheres, ecologistas, gays, entre outras.
A possibilidade de se transformar uma população
diferenciada em uma comunidade coesa envolve, segundo o autor, uma combinação
de movimento de organização e política de Estado (Esping-Andersen, 1985, p.
32). De imediato, havia a necessidade de uma vitória nacionalmente centralizada
e verticalmente organizada, que implementasse o processo de unificação que
impediria uniões de natureza excludente.
O "modelo escandinavo" abordado em sua
pesquisa é interessante e, segundo o autor, único, pois cedo (1870-1914)
possibilitou uma aliança precoce entre camponeses e trabalhadores no esforço
pela democracia. O que na prática tornou possível uma democracia perfeitamente
estabelecida, mesmo no conturbado e instável período do entreguerras. No
pós-guerra, segundo o autor, os social-democratas já eram praticamente
dominantes5.
No período pós-70, contudo, os partidos políticos
mostraram fortes sinais de decomposição ou, no mínimo, de estagnação. Esse
período indicou que a fórmula política de um passado recente começava a perder
o seu apelo e relevância. Um conjunto de políticas e a necessidade de uma nova
composição política pareciam claros e iminentes. Para Esping-Andersen, "a
necessidade de trazer grupos de trabalhadores de classe média para uma aliança
democrática é urgente" (idem, p. 71 - tradução minha).
Na perspectiva de Esping-Andersen, há atualmente
uma forte ruptura na tradição escandinava democrática do partido como elemento
representativo de classe. O declínio de sua capacidade de representar
interesses coletivos, formular programas, ideologias e agendas políticas
coerentes estaria relacionado simultaneamente à fragmentação da base eleitoral
e a sua incapacidade de mobilizar novas gerações de eleitores, isto porque
"onde esquemas privados e profissionais proliferam, identidade coletiva e
lealdade a esquemas públicos serão facilmente evaporados" (idem, p.
149 - tradução minha).
O estabelecimento do Welfare State estava de
acordo com a idéia de reforma social como mobilizador político. Nesse caso, a
sociedade, via Estado, assumiria a responsabilidade de prover e garantir os
níveis de bem-estar em saúde, educação e assistência social de todos os membros
da sociedade antes que grupos sociais, famílias ou o próprio mercado. Este fora
visto, vale lembrar, como um elemento incompatível com o universalismo proposto
pelas políticas sociais do modelo social-democrata.
O argumento de Esping-Andersen é que, para manter
um alto grau de universalismo, distribuição dos recursos e políticas públicas
eficazes, é necessário haver uma grande taxação. Essa política tributária, no
entanto, recairia de maneira desproporcional e asfixiante sobre os segmentos
sociais médios, o que inevitavelmente enfraqueceria politicamente o Estado e,
conseqüentemente, as políticas públicas por ele implementadas. Segundo o autor,
a saída para resolver o problema de incompatibilidade é estabelecer um efetivo
controle político sobre o crescimento econômico. Nesse contexto, por exemplo, o
desemprego é visto como um elemento que aumenta a incidência de problemas
sociais; o emprego, o crescimento do poder aquisitivo e econômico, ao contrário,
são vistos como elementos catalisadores e maximizadores da estabilidade
política e do status quo. O fato é que o universalismo e a
institucionalização do Estado de Bem-estar podem ser vistos, segundo o autor,
como princípios básicos para a implementação de políticas sociais eficazes na
saúde pública e na educação.
O que deve ser notado é que a ascensão de novos
segmentos sociais impõe novas condições para as alianças e programas políticos
de classe. A dificuldade de se perceber politicamente as sutilezas da nova
estrutura social provoca obstáculos importantes para os partidos políticos e
para a gerência do poder nas sociedades contemporâneas. Esping-Andersen pensa
que é possível construir um novo mundo de solidariedade social e política
eficaz entre o eleitorado, que ajudaria a sustentar um projeto social
democrático inovador. Para tanto, deve ser observada uma espécie de
encruzilhada histórica, similar à da década de 1930 nas sociedades
escandinavas. Lá, o camponês foi a chave para a futura social-democracia. Hoje,
nas sociedades modernas ocidentais, segundo ele, são os setores de classe média
em ascensão (white-collar strata), das áreas técnica, administrativa e
de serviços, que ocupariam na estrutura social aquela posição política chave.
Se há uma decomposição da social-democracia, ela reflete a incapacidade e a
inabilidade do socialismo para constituir forte(s) aliança(s) fora do centro da
anacrônica concepção de classe trabalhadora.
A lição que coloca, se é que assim podemos dizer, é
que uma revolta contra a concepção de partido moderno pode ser vista, no
mínimo, como um perigo à democracia. As mudanças sociais que fazem figurar os
partidos como elementos centrais na vida política não são meros acidentes e não
devem ser ignoradas, sob o pretexto de poderem ser anuladas. Como mostrou
Esping-Andersen, nas condições das sociedades de massas que surgiram
gradualmente com o alvorecer do mundo moderno, o partido constitui, se não o
único, pelo menos um dos meios mais acessíveis de se articular os desejos das
imensas massas populares para os fins políticos.
A questão que o autor vem tentando conduzir não diz
respeito à falta ou não de mobilização política das massas, mas sua
fragmentação como comunidade ou coletividade. Para ele, se sustentarmos a idéia
de guetto party como elemento de representação de unidades ou fragmentos
sociais, a possibilidade de uma aliança renovadora, eficaz e coesa socialmente
parecerá ainda uma utopia anacrônica.
O autor de Politcs against markets coloca a
discussão das políticas públicas, num só tempo, na arena política e social.
Política porque diz respeito à habilidade das lideranças mobilizarem novos
segmentos sociais e novas gerações. Social porque percebe que essas
transformações são demasiado complexas, pois dizem respeito à maneira como as
pessoas se organizam e se relacionam socialmente, trabalham e se expressam,
como constroem suas identidades num mundo tanto impessoal quanto fugaz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Jacques Godbout, a intervenção estatal, via
regulamentação jurídica, decretos ou leis, no âmbito das políticas públicas no
mundo cotidiano das populações, pode produzir conflitos culturais ou até mesmo
sociais. Segundo ele, os conflitos são conseqüências do fato de a política
social estar muito além da esfera governamental isto é, além de sua tentativa
de alocar e distribuir bens e serviços. Escaparia, nesse sentido, ao cálculo
econômico.
A prática governamental, na visão do autor,
tenderia a se portar muitas vezes de forma totalitária, pois pretende
transformar, com um só golpe (freqüentemente de caneta), instituições e
organismos sociais em doadores e, eventualmente, certos indivíduos ou
populações em receptores de bens e serviços. Num mesmo tempo, tal prática, como
observa o autor, pretende acabar com as diferenças qualitativas de "quem
doa" e de "quem recebe", pois elimina o espaço para o desejo (o
desejo de dar, receber e retribuir). Nesse caso, a dádiva assume
a temida perspectiva de gratuidade, perde seu estatuto social e seu caráter
simbólico. A relação não é mais realizada entre pessoas, mas, em última
instância, no caso da assistência médica, por exemplo, entre um aparelho
burocrático estatal e um doente.
O argumento de Godbout é relevante se estivermos
interessados em observar as sutilezas de cada especificidade cultural que
porventura possa influenciar ou mesmo prejudicar o andamento de determinada
política pública e social em alguma comunidade ou segmento social. Mas pode ser
demasiado ingênuo, se partirmos do princípio de que existe algo efetivamente
agindo de forma universal, estrutural ou meta-histórica a favor de determinados
segmentos sociais ou da sociedade como um todo. Algo que por si só fosse a
garantia de distribuição de bens e serviços, independentemente dos
acontecimentos sociais e históricos que determinada realidade impõe. Não é o
que o autor propõe.
Quero ser muito claro a este respeito. A
solidariedade, indispensável à efetivação das políticas públicas, não parece
ser um atributo da "natureza humana". Se o é totalmente ou em parte,
como sustentam alguns pensadores, não é uma área imutável e autônoma o bastante
para que não se possa nela intervir. É preciso construir ou excitar, como
queiram, um processo de reconhecimento entre as pessoas diante de um mundo
público. A questão está de Émile Durkheim, passando por Marcel Mauss até
Jacques Godbout tanto na arena política como na social.
Godbout, especificamente, fez ver que os grupos ou
segmentos sociais alvos das políticas sociais não deveriam ser interpretados
como "objetos" de uma intenção política ou econômica. É preciso que
sejam reconhecidos como "sujeitos ativos" da relação, na mesma medida
em que tenham a capacidade de reconhecer o Estado, ou qualquer outro segmento
social, não como "alguém" que apenas dá gratuitamente. O que parece
faltar é, segundo o autor, uma certa consciência de interatividade social e de
existência de um mundo público.
Por isso, segundo o autor de L'esprit du don,
não seria conveniente, com o risco de sermos ingênuos, reconhecer em um Estado
autônomo, perante a passividade das massas, fenômeno típico nas sociedades do
Leste Europeu do pós-guerra, o elemento responsável pelo aumento nos índices de
qualidade de vida, sobretudo nos países industrializados. No entanto, vale lembrar,
não podemos desconsiderar que determinado plano da sociedade ou das relações
sociais deve ser regulado pelo contrato social. Sobretudo quando tratamos a
questão da inclusão/exclusão, da convivência ou da coabitação.
O Estado, juntamente com a atividade dos
sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais diversos, pôde representar
a garantia de bem-estar e emprego em algumas regiões do globo (ver Hobsbawm,
1995; Esping-Andersen, 1985). A crise do modelo de Keynes representou na esfera
social a ruptura dos laços de solidariedade entre Estado e sociedade mais
precisamente, entre Estado e trabalhadores. Por isso, a lógica keynesiana
clássica, de manutenção de uma taxa de desemprego baixa, foi posta de lado. O
mais importante parecia ser a manutenção da inflação sob controle. As políticas
sociais passaram a ser lidas como políticas econômicas ("o problema da
saúde é um problema econômico"), pois a prioridade dos anos 70 aos dias de
hoje parece ser o combate ao déficit público, mesmo que isso signifique cortes
em programas sociais que seriam considerados excessivos.
Na visão de Eric Hobsbawm (1995), o Estado deve ser
observado como uma instituição importante rumo às garantias sociais para o
estabelecimento da cidadania, sobretudo na primeira metade do século. As
transformações políticas e sociais que ocorrem no seio da organização estatal,
a partir da segunda metade do século XX, dão-lhe novo estatuto. A guinada de um
Estado-providência para um liberal se fez acompanhar de mudanças
correspondentes (mas não conseqüentes) importantes no mundo da cultura. Tanto
do ponto de vista político-econômico como também da cultura e das ideologias
dominantes parece chegar-se a um assustador consenso (tautológico) de que
"flexibilidade" e "autonomia" são indiscutivelmente uma
saída universal para todos os problemas sociais, incluindo de saúde pública, e
econômicos, independentemente das particularidades e especificidades culturais
e sociais que porventura possam existir. Nesse caso, descartam-se as realidades
sociais (simbólicas) de comunidades ou segmentos sociais específicos como
elementos analíticos. Nesse sentido, Jacques Godbout parece ter absoluta razão.
Por isso, um dos argumentos de Eric Hobsbawm (1995)
não deve ser abandonado. É preciso notar que "flexibilidade" em
países que tiveram um Welfare State é uma coisa; mas qual o impacto
naqueles países, como os latino-americanos, que nunca tiveram propriamente um
Estado de Bem-estar, isto é, um Estado que em determinado contexto social
cumpriria certos dispositivos da legislação social? Saúde pública é, afinal, um
problema público ou individual? A noção saúde/doença, nesse contexto, pode
perder sua dimensão interativa para se transformar em mero problema individual.
Fala-se em globalização e flexibilidade,
principalmente, das perspectivas francamente utilitaristas que apontam o fardo
burocrático do Welfare State como limite para a eficiência e a inovação.
Os governantes, políticos e administradores parecem pensar via uma lógica de
antagonismos. Na esfera do mercado, teríamos, de um lado, os produtores; e de
outro, os consumidores. Na esfera política, as instituições; de outro, os
contribuintes. Os parâmetros e fatores sociais são, como foi dito,
habitualmente ignorados.
É preciso ficar claro que, no chamado período de ouro
do capitalismo ocidental (as três décadas que seguem o pós-guerra), a questão
social foi mantida sob razoável controle, não porque estavam todos
absolutamente satisfeitos e sem dificuldades, mas graças à conjunção de alguns
elementos inter-relacionados que parecem cada vez mais escassos nos dias de
hoje. Primeiro, desenvolveu-se, sobretudo nos países industrializados, um
eficiente sistema público de assistência social. Segundo, famílias ou
comunidades padronizadas eram capazes de fornecer uma rede de auxílio para
indivíduos em dificuldade (Hobsbawm, 1995; Castel, 1991).
O ponto é que afirmar ou constatar a existência de
uma realidade social ou macrossocial não é um convite à inércia ou à falta de
compromisso com o coletivo. A decisão e o processo de mudança têm que
obrigatoriamente passar pela esfera das opções individuais. Nesse ponto,
Herbert Marcuse (1968) tinha absoluta razão. O esforço desse trabalho foi no
sentido de restituir uma realidade coletiva, pois acredito que, pelo menos
genericamente, os problemas por que passa a maioria dos indivíduos modernos
estão relacionados à carência de um mundo público que tende a ser saqueado e
privatizado. De imediato, no entanto, cabe aos indivíduos, segmentos sociais,
governantes, lideranças políticas e mesmo religiosas darem conta explicitamente
disso. A reação, vamos chamar assim, deverá tomar uma dimensão política, moral
e subjetiva.
Se as autoridades políticas, como vimos, se
mobilizarem via imposição de leis ou decretos não sintonizados com a realidade
social dos grupos sociais (com suas realidades simbólicas), isso se revelará
inoperante, quando não intolerável às pessoas. Parece ser mais que oportuno,
nesse momento, estar atento aos sistemas de solidariedade vigentes e,
principalmente, aos sistemas sociais, econômicos e políticos que parecem
desafiá-los. Para Castoriadis, por exemplo, o imaginário seria uma das
condições da funcionalidade, um dos elementos da criação na história. Segundo
ele, "as leis podem realizar-se utilizando as ilusões dos
indivíduos" (1982, p. 160 grifo meu).
Concluindo, é preciso ficar claro que a compreensão
do processo de exclusão social que se opera parece estar relacionada ao
conhecimento da história moderna das sociedades ocidentais, inclusive as
especificidades de cada região ou segmentos sociais. A construção dos atores
sociais não é arbitrária, nasce no processo histórico. A necessidade de algum
rompimento com o presente não é a negação da história. É o apelo à mudança. A
promessa de rompimento com uma realidade que julgamos inaceitável não deve
ficar ao sabor das realidades macrossociais, como se estas fossem alheias aos
nossos interesses pessoais. A revolução que se espera não deverá ocorrer no
âmbito das leis ou das armas, mas no estabelecimento de novos atores sociais: os
cidadãos, em lugar de meros indivíduos.
NOTAS
*
Este artigo é uma versão de um capítulo da dissertação de mestrado
Solidariedade: uma abordagem teórica dos vínculos sociais modernos, defendida
em outubro de 1999, no Instituto de Medicina Social/UERJ. O autor agradece a
valiosa contribuição do professor Luiz Antonio de Castro Santos.
1
Bacharel e licenciado em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas/UERJ, mestre e doutorando em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina
Social/UERJ.
2
Sua expressão política ideal, seguramente, está em Margaret Thatcher: "Não
há sociedade, só indivíduo." (ver Hobsbawm, 1995).
3
Para Peter Marris (1996), as relações primárias (as da infância), o attachment
aos pais, são as interações mais importantes para o desenvolvimento dos
significados sociais e da estrutura cognitiva para o resto da vida dos
indivíduos. Para Castoriadis (1982, p. 127), a constituição da subjetividade
estaria relacionada à noção de "suporte". Segundo ele, "o que
chamamos de suporte não é o simples suporte biológico, é o fato de que um
conteúdo qualquer já está sempre presente e não é resíduo, escória, obstáculo
ou matéria indiferente, mas condição eficiente da atividade do sujeito. Esse
suporte, esse conteúdo, não é nem simplesmente do sujeito, nem simplesmente do
outro (ou do mundo). É a união produzida e produtora de si e do outro (ou do
mundo)".
4
Gilberto Hochman, em A era do saneamento, demonstra claramente como a
consciência de interatividade social provocada pelas doenças e epidemias, que
assolavam nosso país nas primeiras décadas do século XX, repercutiu em
instituições sociais e políticas públicas no campo da saúde.
5
O autor chama a atenção também para o fato de o consenso e a unidade política e
social terem sido bem-sucedidos em função da homogeneidade étnica, lingüística
e cultural daqueles países. Para ele, foram fatores que reduziram a
possibilidade de clivagens nas sociedades escandinavas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRACLOUGH, G. Introdução à história
contemporânea. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: s.n., 1973. 252 p.
BELL, D. The
coming of post-industrial society. A venture in social forecasting. New
York: Basic Books, 1976. 489 p.
CASTEL,
R. De l'indigence à l'exclusion, la désaffiliation. Précarité du travail et
vulnérabilité relationnelle. In: DONZELOT, J. (Org.). Face à l'exclusion, le modèle
français. Paris:
Éditions Esprit, 1991. p. 137-168.
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da
sociedade. 2. ed. Tradução de Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982. 418 p.
DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social.
Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 483 p.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos.
Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. 201 p.
ESPING-ANDERSEN,
G. Politics against markets. The social democratic road to power. New
Jersey: Princeton University Press, 1985. 324 p.
GODBOUT,
J. T. L'esprit du don. Paris: Editions la Découverte, 1992. 343 p.
HOBSBAWM, E. Era dos extremos. O breve século XX
(1914-1991). 2. ed. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. 598 p.
HOCHMAN, G. A era do saneamento. São Paulo:
Hucitec, 1998. 261 p.
MARCUSE, H. Eros e civilização. Uma crítica
filosófica do pensamento de Freud. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de
Janeiro: Zahar, 1968. 232 p.
MARRIS,
P. The politics of uncertainty. Attachment in private and public life. London: TJ Press, 1996. 186 p.
MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Tradução de
Antônio Filipe Marques. Lisboa: Edições 70, [s.d.]. 209 p.
MINGIONE, E. Fragmentação e exclusão: a questão
social na fase atual de transição das cidades nas sociedades industriais
avançadas. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 41, n.
4, p. 673-700, 1998.
PRZEWORSKI, A. Capitalismo e social-democracia.
Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 65 p.
SAID, E. Cultura e imperialismo. Tradução de
Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. 459 p.
SENNETT, R. O declínio do homem público. As
tiranias da intimidade. Tradução de Lygia Araújo Watanabi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. 447 p.
Recebido em 14/08/00.
Aprovado em 27/10/00.
Aprovado em 27/10/00.